quinta-feira, julho 16, 2009

Por estarem distraídos

A manhã não fora daquelas que prometem o paraíso desde o primeiro raio de sol, contudo, naquele dia ocorreu um dos melhores encontros de sua vida – para não dizer O melhor. A vida estava na sua órbita comum, a rotina, as pessoas; toda aquela agitação de cidade metropolitana repleta de indivíduos lutando contra o tempo, um vai e vem inebriante e confuso. Andara o bastante para poder dizer que já era mais que bastante, até porque não dispensara o mesmo ritmo acelerado que a tinha tomado desde o início da manhã.
Ela não tinha nada mais que um copo descartável em mãos. Talvez ainda o trouxesse consigo pela noção quase impossível de se corromper que guardara nos seus conceitos desde os tempos de colégio, aquela velha história de ‘não atire lixo pelas ruas’, ou talvez, simplesmente ainda estivesse lá por falta de oportunidade para descartá-lo. O que se sabe é que ele fora o único que pode presenciar aquele encontro sublime, em suas mãos.

Já passava de uma da tarde, calor escaldante. Aquele momento do dia em que ninguém quer fazer outra coisa senão concluir as obrigações e fugir para qualquer lugar; Vale qualquer um, basta que não seja continuar preso à obrigação momentânea. Pode-se dizer que foi nesse instante que tudo aconteceu.
Suas expressões eram um tanto indecifráveis ao primeiro olhar, mas, pequenos detalhes chamaram a atenção da observadora que se deixou estar ao seu lado, por mero acaso. Pouco a pouco aqueles singelos detalhes a foram sugando (‘e com aqueles olhos de comer fotografia’ a foi puxando, puxando – agora recontando o ocorrido, a única coisa que me vem à cabeça são esses versinho).
Digamos que o quase Impossível era essa conexão ocorresse, Depois, tudo seria singelo, singelo como os olhares de dois amigos que se distanciaram ou até de um velho amor; daqueles amores que se desencontram com as mudanças da vida.

Ofereceu-lhe algo. Balas coloridas. Mas, a única coisa que aquela observadora conseguiu formular e ainda por cima pronunciar foi um: ‘Não, obrigada.’
Talvez devesse ter revidado o golpe de olhar e em contrapartida, puxado assunto, perguntado seu nome, quem sabe. Conhecendo-a bem, nem preciso dizer que ela Não o fez. Continuou ali, estática. Mas, descobriu algo que a arrebatou mais, bem mais.
De todos os perfumes masculinos conhecidos, sempre teve um preferido – com uma única exceção dada a um amigo que usa o mesmo perfume que ela; mas, o Dele era diferente. A questão era descobrir até onde se propagava esse ‘diferente’.

Um suspiro. Alguém murmura. Pessoas ao telefone. Ele tira uma revista da mochila que a princípio, ela nem percebera caída próxima aos seus pés.

Pensaria: ‘Ah, mais um mané. E lá se vai o encanto...’ Mas, não houve tempo suficiente para isso. Baixou os olhos sobre aqueles papéis e sem querer, deixou-se levar outra vez.
A primeira página falava justamente sobre um livro que ela acabara de ler dias antes, depois daí, a sucessão foi quase que incontida: Psique, Cazuza, Música Brasileira, Sonhos, Atração, Pessoas, Freud, Nietzsche.

Tenta suspirar, a tentativa a sufoca, prossegue. Tenta não demonstrar interesse, mas, é notável que não alcance o sucesso.

Volta para o copo. Sim, aquele copo descartável que ainda não tinha encontrado seu destino. Ele a olha. Ela procura loucamente pela janela. O sol continua intenso lá fora.
Nunca poderia afirmar com certeza plena, mas, creio que tenha sido naquele instante que ela, a mais retórica e aplicada falante, desejou que o assunto fosse iniciado por ele.
-Passaram-se alguns minutos.
Eu diria que foram mais de 30. Ela, ela diria que já não importava, só havia conservado um sentido e naqueles minutos, o tinha utilizado para captar o máximo de detalhes possíveis, desde a barba rala, meio falha, aquela revista, a camiseta preta com uma imagem que se tornara impossível de decifrar, até aquela fita imperfeitamente presa ao pulso dele. Ah, o perfume. Não nos esqueçamos do perfume.
-Instantes.
Pensou que talvez pudesse fazer como nos filmes em que tudo dá certo no final. Pegaria uma caneta e escreveria seu telefone no pulso dele, ganharia outro olhar e talvez desse certo. Mas, preferiu deixar-se acreditar que por ser sublime, era melhor esperar.
-Esperou.
Chegou a hora de ir embora. Hora de retornar ao mundo das pessoas que estão sempre apressadas, contrariando a própria vontade e o tempo.
-Sorriu. Talvez aquela fosse a única vez que o veria.

Levantou-se e saiu – sem olhar para trás.

‘Dura a vida alguns instantes,
Porém mais do que bastantes
Quando cada instante é sempre’

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